Em meio à crise
política, é aguardada para esta terça ou quarta-feira uma decisão sobre a
possível nomeação do ex-presidente Lula como ministro do governo de Dilma
Rousseff.
Alvo principal da
24ª fase da Operação Lava Jato, chamada Aletheia, Lula ficou sob holofotes
desde que foi levado em condução coercitiva a prestar depoimento na Polícia
Federal.
As investigações
em curso sobre Lula dizem respeito basicamente a três pilares principais:
reformas e benfeitorias feitas pela construtora OAS em um triplex no Guarujá,
ocultação de propriedades no nome de terceiros (no caso de dois sítios em
Atibaia que teriam sido adquiridos pelo ex-presidente em 2010) e
"pagamentos vultuosos" feitos por construtoras beneficiadas no
esquema de corrupção na Petrobras em favor do Instituto Lula e da LILS
Palestras.
Se Lula virar
ministro, as investigações sobre ele continuariam, mas ganhariam um novo
elemento: o ex-presidente contaria com o chamado "foro privilegiado".
Mas, na prática, o que isso significa? A BBC Brasil conversou com especialistas
em Direito Penal e Constitucional, além de uma ex-promotora de Justiça, para
esclarecer a situação.
O que aconteceria
com as investigações que estão em curso?
Todas essas
suspeitas estavam sendo investigadas em primeira instância até agora na 13ª
Vara Federal de Curitiba sob o comando do juiz Sérgio Moro – a denúncia feita
na semana passada pelo Ministério Público de São Paulo foi encaminhada nesta
segunda-feira ao mesmo tribunal.
Mas com a eventual
nomeação de Lula como ministro, tanto a investigação quanto o julgamento do
ex-presidente passariam automaticamente para instâncias superiores.
"Com o foro
privilegiado, ele passa a ser julgado direto em última instância. Isso
significa que todo o processo tem de ser remetido para o Supremo Tribunal
Federal, ele (o processo) e todas as provas", afirmou à BBC Brasil o
professor de Direito Processual Penal da PUC-SP, Claudio José Langroiva
Pereira.
Isso porque, como
ministro, Lula passaria a ter foro privilegiado. Tudo o que o Ministério
Público do Estado de São Paulo já apurou tem validade, mas será remetido aos
procuradores da República, de instância federal. O julgamento seria feito pelo
Supremo Tribunal Federal e não mais pelo juiz Sérgio Moro.
Corporation Com
foro privilegiado, Lula passa a ser julgado pelo STF, e não mais pelo juiz
Sérgio Moro
O que é foro
privilegiado?
A lei brasileira
entende que há pessoas que exercem cargos e funções de especial relevância para
o Estado e, em atenção a eles, é necessário que sejam processados por órgãos
superiores, de instância mais elevada. Isso porque órgãos superiores teriam
maior independência para julgar altas autoridades dos três poderes (Executivo,
Legislativo e Judiciário).
No caso do
presidente da República, dos secretários de governo e dos ministros, por
exemplo, o órgão responsável é o Supremo Tribunal Federal, o mais alto do
Judiciário.
Qual seria a
consequência de Lula ser julgado pelo STF?
Se o caso for
direto a julgamento em última instância, isso faria com que o processo para uma
eventual condenação ou absolvição fosse mais curto. Se Lula fosse julgado na
Vara de Curitiba – e se houvesse uma eventual condenação -, ele poderia recorrer
em mais duas instâncias, até que o STF desse a decisão definitiva.
Para a advogada e
ex-promotora de Justiça do MP de São Paulo, Luiza Nagib Eluf, o processo seria
muito mais rápido - como aconteceu com o caso do "mensalão", que
também foi julgado pelo STF por envolver parlamentares com foro privilegiado.
"Foi
rapidamente resolvido. As pessoas acharam que demorou, mas porque nem todo
mundo sabe quanto tempo leva quando inicia na primeira instância. É muito mais
rápido quando você começa pelo fim, já que o STF é a última."
O professor da
PUC-SP Claudio José Langroiva Pereira concorda que a conclusão do processo
seria mais rápida, mas acredita que o julgamento poderia demorar mais a
acontecer, porque na procuradoria a investigação tende a ser um pouco mais
lenta.
Corporation Com
STF assumindo caso, conclusão sobre processo contra Lula tende a ser mais
rápido, segundo especialistas
"O Moro tem
costume de trabalhar muito rápido com processo, ele tem uma sistemática própria
que faz com que os casos sejam mais agilizados, o fato de tudo ser
informatizado no Paraná também facilita", disse.
"Na
procuradoria, também é informatizado, mas eles têm sua velocidade própria e
também têm um número muito maior de processos. Não dá para garantir que a
velocidade (da investigação) será a mesma."
Lula teria mais
vantagens ou desvantagens com a mudança?
Segundo Luiza
Nagib Eluf, a mudança poderia ser favorável a Lula. Ela chama atenção para o
fato de que alguns ministros do Supremo foram nomeados por Lula e Dilma e deram
declarações favoráveis a eles. "Existem alguns ministros mais simpáticos
ao presidente Lula e a Dilma. Mas, qual é o dever do julgador? É se manter
equidistante e imparcial."
Para Eluf,
"tanto o convite de Dilma quanto a aceitação desse convite dá uma sensação
de que isso aconteceu para dificultar a aplicação da lei", ao "evitar
um juiz especialmente, que se chama Sérgio Moro."
Já para o
professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano, Lula teria mais
desvantagens se for julgado como ministro do que teria sem o foro privilegiado.
"Judicialmente,
é pior para ele. Porque depois da decisão do STF, não há como apelar para outra
instância porque você já é julgado direto na última", disse à BBC Brasil.
Corporation Condução
coercitiva de Lula para prestar depoimento gerou polêmica e dividiu opiniões de
advogados
Serrano também
colocou como desvantagem o fato de a Operação Lava Jato estar muito em
evidência na mídia, o que pode acabar influenciando o andamento e a conclusão
das investigações.
"Acho que o
que ocorre aí é que o espetáculo substitui o processo penal. O direito de
defesa vira uma maquiagem. São processos que você já sabe o resultado. A
narrativa acusatória da mídia se impõe sobre qualquer argumento de
defesa", afirmou.
"Não há quase
nenhum espaço para a defesa na Lava Jato. Essa relação (da Justiça com a mídia)
precisa ser discutida."
BBC BRASIL
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