A crise financeira internacional pode até não ter sido sentida pelo comércio dos municípios do Rio Grande do Norte, mas as prefeituras sentiram. E muito. Prova disso são as reclamações feitas pelos prefeitos de todas as regiões do Estado que estão fechando as prefeituras e reduzindo atividades do poder público, como transporte escolar e obras.
Essa semana o prefeito de São Vicente, Francisco Bezerra (PSB), fechou a prefeitura alegando falta de verba para pagamento de mais de 300 funcionários. Ele calcula uma perda financeira de mais de R$ 247 mil no repasse de recursos desde agosto e justificou a situação como "insustentável" para administração.
Seguindo o seu exemplo, outras 50 prefeituras fecharam as portas em sinal de protesto esta semana. "Se a situação não melhorar até o final do mês, vamos fechar geral", avisa o presidente da Associação dos Municípios do Litoral Agreste, João Gomes
Em São Gonçalo, o prefeito Jaime Calado (PR), confirmou que as obras do município estão paralisadas e que reduziu os custos da Prefeitura em 20% para manter em dia o pagamento dos funcionários.
O fator causador da crise nas prefeituras do interior, além da queda no repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), se deve a redu;áo nas fontes de arrecadação como ICMS, royalties e verbas federais destinadas a convênios e investimentos em obras. Segundo Joáo Gomes, em 130 prefeituras do estado, o FPM representa 95% da receita dos municípios é o caso de Várzea. "Com as quedas constantes que vêm ocorrendo ao longo de 2009, praticamente inviabilizou o funcionamento da prefeitura e não temos outra alternativa, senão demitir", afirma o prefeito Getúlio Araújo.
A implantação do Piso Nacional dos Professores é outro fator apontado pelos gestores. "Não sabemos se a receita vai acompanhar”, declarou Jaime calado.
No Vale do Açu, o prefeito Ivan Júnior (PP) também reclamou da crise. Para evitar demissões no quadro de funcionários, Ivan afirmou o desenvolvimento de um plano de contensão de despesas. "Diminuímos os salários dos cargos de prefeito, vice-prefeito, secretários e estamos evitando gastos na administração como pagamento de hora extra e nomeação de cargos comissionados".
De acordo com o presidente da Femurn, tem prefeito cortando o combustível do transporte escolar para as comunidades rurais.
Em Areia Branca, o prefeito Manoel Cunha Neto (PP) também destacou a situação vermelha em que a prefeitura se encontra. "Somos uma cidade produtora de petróleo e perdemos mais de 45% da nossa arrecadação de royalties o que comprometeu muito os investimentos da administração e Areia Branca, está com as duas primeiras cotas do FPM em zero", afirma.
Dever de casa
Em Caicó a crise parece ainda não ter chegado. Pelo menos não a ponto de adotar medidas drásticas como as outras prefeituras, citadas nesta reportagem. "Até agora nós temos conseguido manter o equilíbrio. O salário do funcionalismo público está em dia e, também, não temos débitos para com os nossos fornecedores".
O motivo da situação diferenciada de Caicó, segundo o prefeito Bibi Costa (PR), é que logo que assumiu a prefeitura em janeiro de 2005 - ainda na sua primeira gestão - fez "uma economia de guerra" nas contas da prefeitura, o que permitiu guardar uma quantia razoável em caixa.
Diante da declaração do prefeito de Caicó vem a pergunta: "O problema dos outros municípios é de gestão?".
A prefeita de Mossoró, Fafá Rosado (DEM), tem ouvido muito esse questionamento, porém, como afirmação por seus opositores. Ela foi a primeira entre os gestores municipais a adotar iniciativas pouco populares. O cancelamento do Auto de Santa Luzia, evento religioso é um exemplo claro da situação que chegou a situação financeira da segunda maior cidade do estado.
Mesmo com a queda no repasse do FPM, Mossoró é uma cidade privilegiada em relação as outras por causa dos royalties que recebe da Petrobras. Mas Fafá se defende: "tivemos uma redução de 50% no pagamento de royalties".
Na verdade ao comparar a situação entre essas duas prefeituras é dizer que uma fez um pé de meia e, a outra não, por isso, começou a desmoronar primeiro. No entanto, Bibi ressalta que o seu 'minhaeiro' já está esvaziando e se o Governo Federal não "socorrer", o município se igualará aos outros.
"Ao chegar no final deste ano, teremos um prejuízo de R$ 1 milhão. É muito dinheiro que seria utilizado em saúde e educação".
O que diz a Lei?
O Fundo de Participação dos Municípios é uma transferência constitucional feita pelo Governo Federal, sempre nos dias 10, 20 e 30 de cada mês sobre a arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados. A distribuição dos recursos é feita aos municípios de acordo com o número de habitantes.
Do total de recursos 10% são destinados aos Municípios das capitais, 86,4% para os demais municípios e 3,6% para o fundo de reserva que fazem jus os municípios com população superior a 142.633 habitantes.
Nos oito primeiros meses do ano, o repasse do FPM somou R$ 24,85 bilhões. A quantia é cerca de 7% menor que a registrada no mesmo período de 2008.
Crise nas prefeituras: o outro lado da moeda
Enquanto as prefeituras se escondem atrás do discurso fácil do "FPM zero", evitam a exposição de problemas muito mais graves e antigos e que continuarão comprometendo as gestões municipais mesmo depois da crise: as dívidas da Previdência Social e dos precatórios, a negligência com a arrecadação própria e a pouca qualificação dos gestores.
"Seria melhor para a população que as prefeituras, em vez de fechar as portas, abrissem as contas", defendeu o deputado estadual Fernando Mineiro (PT). Ele estudou o orçamento de várias prefeituras do estado e concluiu que 27% dos repasses da União ficam retidos nos cofres dos municípios para pagamento de dívidas referentes ao INSS e ao Pasep, frutos dos calotes sistemáticos aplicados pelas gestões anteriores.
O protesto de Mineiro, um dos maiores defensores do Governo Lula, é isolado e fatalmente se perderá no meio da multidão de parlamentares que, pressionados pelos prefeitos e de olho em 2010, se agitam feito baratas tontas no Congresso Nacional para trazer boas novas aos gestores.
Elas já existem. Além da equiparação do Fundo de Participação dos Municípios ao executado em 2008 - o presidente Lula assinou quarta-feira (16) o Projeto de Lei que autoriza repasse de mais R$ 1 bilhão referente à compensação de julho e agosto -, os parlamentares conseguiram em maio o parcelamento de R$ 14 bilhões de débitos com o INSS em 20 anos.
Os prefeitos também descobriram que a União deve R$ 25 bilhões de Seguro Social aos municípios (nas contas dos prefeitos) ou R$ 7 bilhões (nas contas do governo federal) e pedem agora o encontro de contas. Se eles estiverem com a razão, não só deixarão de pagar as dívidas da Previdência como ainda receberão R$ 3 bilhões. Um comitê deve ser instalado na Câmara Federal para estudar o assunto.
De acordo com a Secretaria de Assuntos Federativos, de 2003 para 2008 houve aumento de 133% nos repasses da União, pulando de R$ 25 bilhões para R$ 58,4 bilhões. Já os convênios aumentaram em 118%, passando de R$ 2,6 bilhões para R$ 5,6 bilhões. Desde 2007, os municípios recebem 1% a mais do IPI em dezembro como reforço para pagamento dos 13º salários.
Para a professora do Departamento Interdisciplinar de Políticas Públicas da UFRN, Maria do Livramento, os recursos ainda são insuficientes se for considerado o tamanho da dívida social que o Brasil tem. "Mas há também um problema de gestão".
Segundo Livramento, a corrupção, a falta de pessoal capacitado e a má vontade política contribuem para a relação de dependência dos municípios em relação à União. "A coisa mais antipática para o prefeito é cobrar IPTU, e num momento de crise a última coisa que o cidadão faz é pagar imposto".
O IPTU (Imposto Predial e Territorial) faz parte, junto com o ISS (Sobre Serviços) e o ITBI (Transmissão de Bens Imóveis), da arrecadação própria do município e podem ser incrementados com a melhoria do sistema de fiscalização pelos gestores.
Existem outras formas legais de melhorar a receita, como implantação do IPTU progressivo (a cada ano o inadimplente paga mais), a desapropriação do bem em caso de cinco anos de inadimplência e a arrecadação do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), de competência da União.
As prefeituras podem, ao assumir a cobrança do tributo, reter a totalidade da receita gerada pela sua cobrança. A arrecadação depende apenas da assinatura de um convênio com a Secretaria da Receita Federal. Até junho, apenas 20% dos municípios brasileiro haviam aderido ao imposto.
O Tribunal de Contas da União foi procurado pela reportagem para falar sobre o assunto, a informação é de que não faz parte da seara do TCU. Já no Tribunal de Contas do Estado (TCE-RN), através de sua assessoria de imprensa os conselheiros informaram, apenas, que o órgão tem feito a fiscalização da aplicação dos recursos públicos, caso não ocorra de acordo com a Lei, os gestores são multados ou podem, até, perder o seu mandato.
Fonte no minuto.com
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